Luiz Miguel Martins Garcia Alessio Costa Lima
Um panorama dos avanços e das dificuldades da educação pública no Brasil. É o que traz esta entrevista conjunta do presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Dirigente Municipal de Educação de Sud Mennucci/SP, Luiz Miguel Martins Garcia, e do vice-presidente da entidade e Dirigente Municipal de Educação de Ibaretama/CE, Alessio Costa Lima. Confira, a seguir, a entrevista:
Após a retomada das aulas presenciais pós-pandemia, tem se falado muito em recomposição das aprendizagens para retomar aquilo que não foi possível aprender. Como está essa questão, hoje?
Luiz Miguel – Vivemos um momento de muitos desafios, porque nós acumulamos um déficit histórico com relação à alfabetização e à qualidade educacional que são reflexo do processo tardio de universalização da educação brasileira. E, com a pandemia, o cenário foi agravado, pois com o isolamento e a suspensão das aulas presenciais as desigualdades aumentaram. Aquela criança que estava em uma família escolarizada continuou a ter acesso a elementos da cultura letrada, enquanto outras crianças, não.
A Undime defende a aprovação e instituição do Sistema Nacional de Educação. Se concretizado, o que é esperado e o que muda, na prática?
Alessio – Sentimos ausência de um macrossistema que dê organicidade às redes públicas e às escolas privadas, para que, de fato, as políticas e os programas consigam fluir com mais objetividade, com mais intencionalidade. Dessa forma será possível alcançar os resultados esperados, evitando sobreposição de trabalho, duplicidade de esforços e desperdícios no uso dos recursos, tanto humanos, quanto materiais e financeiros. Então, a instituição do Sistema Nacional de Educação vai definir melhor os papéis, as responsabilidades, as atribuições de cada ente federado que compõe as três esferas de governo: – municípios, estados e União.
Com referência à valorização dos profissionais da educação, com carreira e formação, o que é preciso para que isso, de fato, se concretize?
Luiz Miguel – Precisamos encontrar o equilíbrio entre um plano de carreira e remuneração que valorize e motive os profissionais, mas que também dialogue com a política econômica, com a capacidade de arrecadação municipal. Muito importante, também, reativar a rede nacional de monitoramento e de implementação dos planos de carreiras e remuneração, para promover uma assistência técnica qualificada aos municípios no processo. É essencial garantir, também, a oferta de formação continuada aos profissionais da educação, para que tenham as condições necessárias ao desenvolvimento de sua atividade pedagógica com plenitude.
Às vésperas do final da vigência do Plano Nacional de Educação (PNE), é baixa a taxa de avanços para o alcance de todas as metas. O que é preciso considerar para o próximo Plano?
Alessio – Após a implantação do PNE, não tivemos o investimento dos recursos financeiros necessários ao cumprimento das metas e estratégias. O próprio PNE, na Meta 20, previa a ampliação do percentual de aplicação do PIB para tornar possíveis as outras 19 metas, mas isso não se concretizou. Dessa forma, o Plano teve um baixo nível de execução, pouco menos de 40% do que se foi planejado. E, estima-se que, em média, 90% das metas também não serão cumpridas nesse espaço de 10 anos de execução. No relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação, produzido e divulgado pelo Inep em junho de 2022, dos 41 indicadores que permitem dimensionar o nível de execução, apenas 5 haviam chegado a 100%, 35 atingiram um índice menor que 80% e 7 tiveram retrocesso. Então, ou nós erramos no planejamento, ou nós erramos na questão dos recursos necessários para a sua implementação, ou nós falhamos na implementação das políticas necessárias para tornar essas metas em realidade.
O acesso de professores e estudantes à Internet se tornou ainda mais essencial com as limitações impostas pela pandemia. Como garantir a implementação efetiva da Lei 14.172/2021, visto que a gestão e os recursos estão com os governos estaduais?
Luiz Miguel – O desafio da conectividade, no Brasil, vem de longa data. Nós estamos muito atrasados devido a uma série de nuances, desde questões como a dificuldade de garantia de equipamento para a implementação das chamadas TICs no ambiente escolar. Essa situação, com o advento da pandemia, explicitou um problema muito grave do Brasil que é a fragilidade do processo educacional baseado na tecnologia. Mas é uma dificuldade existente no mundo inteiro e que precisa ser enfrentada.
A Lei 14.172 de 2021 já nasceu com quase dois anos de atraso, pois o objetivo era fornecer conectividade durante a pandemia a todos os alunos, sendo designado o recurso de R$ 3,5 bilhões. O problema é que a grande maioria das 5.568 redes municipais não tiveram acesso a esse recurso, aos equipamentos, às tecnologias. Além disso, temos um orçamento anual de 300 milhões para 180 mil escolas, o que dá um investimento de menos de R$ 2 mil por ano por escola.
O que é mais urgente para os municípios em 2023, com referência à implementação do novo Fundeb?
Alessio – O primeiro grande desafio do gestor, não só para 2023, mas para todo o período que vem pela frente, é conhecer essas inovações introduzidas na nova legislação do Fundeb, como a atualização da previsão de receitas. No modelo anterior, era feita uma previsão de receita para todo o ano. Agora, essa estimativa é ajustada a cada quadrimestre. O primeiro papel do gestor é estar atento a cada quatro meses às estimativas de receitas do Fundeb ao seu município, para poder planejar e atualizar a aplicação correta dos recursos. Deve também observar que o atual Fundeb traz elementos novos em termos de complementação da União. Antes, só havia uma forma de complementação da União, que nesse novo Fundeb recebe o nome de VAAF (Valor Aluno Ano Final), e o novo Fundeb introduziu duas novas formas de complementação da União, o VAAT (Valor Aluno Ano Total) e o VAAR (Valor Aluno Ano por Resultados).
Como a Busca Ativa Escolar, que completa seis anos em 2023, contribui para a retomada das atividades escolares dos estudantes?
Luiz Miguel – A estratégia Busca Ativa Escolar desempenha um papel fundamental, sobretudo nesse período. No processo de pandemia, tivemos um aumento muito grande de evasão e de abandono escolar, e, muitas vezes, esse aumento se manteve permanente, mesmo com o retorno das atividades presenciais nas escolas, seja pelo agravamento da situação social do país, seja pelo impacto das 700 mil mortes em tantas famílias, espalhadas por todo o país. Por meio da estratégia, estados e municípios contam com apoio para identificar essas crianças e adolescentes que estão fora da escola e trazê-los de volta, garantindo acesso, permanência e aprendizagem.
Como as avaliações diagnósticas podem contribuir com a melhoria da educação nesse período pós-pandemia? Alessio – Ter acesso a bons diagnósticos é condição sine qua non para fazer intervenções pedagógicas que sejam capazes, de fato, de elevar os resultados da aprendizagem dos nossos estudantes. Então, no pós-pandemia, a importância da avaliação, em si, e a necessidade de termos uma avaliação diagnóstica ganham um outro contorno. Somente com a avaliação diagnóstica no pós-pandemia é que nós podemos, de fato, mensurar o impacto da pandemia na aprendizagem.