Os Ministérios da Educação e da Fazenda divulgaram a segunda estimativa de receitas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para 2023. A medida consta da Portaria Interministerial 2/2023, de 19 de abril de 2023, publicada no Diário Oficial da União, no dia 26 de abril.
De um total de R$ 263,78 bilhões, R$ 225,45 bilhões correspondem ao que estados, Distrito Federal e municípios contribuem para o Fundo; R$ 22,54 bilhões referem-se à complementação -Valor Aluno Ano do Fundeb (VAAF); R$ 14,09 bilhões são da complementação -Valor Aluno Ano Total (VAAT); e R$ 1,69 bilhão corresponde à complementação -Valor Aluno Ano Resultados (VAAR) da União ao Fundo. O aumento total das receitas do Fundeb é de R$ 588,8 milhões, um incremento de apenas 0,2% em relação às estimativas anteriormente publicadas.
Para o vice-presidente da Undime e Dirigente Municipal de Educação de Ibaretama/CE e coordenador do Grupo de Trabalho de Financiamento da Undime, Alessio Costa Lima, é necessária uma análise mais atenta para saber se os recursos são suficientes para o país ter uma educação com qualidade social e que atenda às necessidades de investimento da educação pública.
“O primeiro ponto é termos clareza sobre o que mudou com o novo Fundeb, o que foi alterado na sistemática de financiamento da educação com a nova lei. Nós sabemos que ele, hoje, é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública em nosso país. Esse é o primeiro ponto, ter uma leitura dessas mudanças. Segundo, é compreender e reconhecer quais foram os avanços e as conquistas do novo Fundeb”, avalia o vice-presidente da Undime.
De acordo com ele, é preciso, ainda, verificar quanto o novo Fundeb trouxe, de fato, de aumento de novos recursos para a educação, e se os recursos totais disponíveis são suficientes e adequados para a viabilização da política educacional brasileira. “E é aí que entra em cena a questão da regulamentação e implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que deve orientar as demandas de financiamento da educação pública para garantir um padrão de qualidade. Assim, essa discussão precisa ser aprofundada a partir do CAQ, verificando seu impacto no dimensionamento das necessidades de investimento em cada uma das etapas e modalidades da educação básica”, acrescenta Alessio.
Nesse sentido, ele aponta a urgência de se saber, por exemplo, o total de investimento necessário para cobrir os custos de manutenção das creches e pré-escolas, e escolas de Ensino Fundamental (Anos Iniciais e nos Anos Finais), Ensino Médio, Educação Profissional e EJA (Educação de Jovens e Adultos), tanto no campo quanto nas cidades.
“É fundamental conhecer, de fato, as reais necessidades de investimento em cada uma dessas etapas e modalidades, para que possamos lutar por um financiamento compatível com cada uma delas. É preciso que todos entendam melhor o que é o CAQ, e como este mecanismo irá pautar, de fato, as demandas necessárias de investimento”, ressalta o vice-presidente da Undime.
Alessio afirma, também, ser preciso conhecer, dentro das inovações do Fundeb, como funcionam as novas formas de complementação, como, por exemplo, a diferença entre o VAAF, VAAT e VAAR. “Qual a finalidade de cálculo de cada uma delas e o que elas contribuem para garantir um investimento mais próximo do que nós desejamos em termos de qualidade e em termos de equidade para a educação pública brasileira?”, frisa.
O presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nelson Amaral, também tem preocupações quanto ao futuro do Fundeb, em razão da tramitação, no Congresso Nacional, do Projeto de Arcabouço Fiscal do governo federal e de seus possíveis impactos no Fundo.
“O novo arcabouço fiscal ainda não foi aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, pois sofreu alterações no Senado e retornou à Câmara dos Deputados. A Câmara incluiu os recursos associados ao Fundeb nos recursos vinculados ao arcabouço fiscal, e o Senado alterou essa condição, retirando-os da conta dos recursos presentes no arcabouço”, observa Amaral.
Segundo ele, a inclusão dos recursos do Fundeb no projeto trará consequências danosas ao recurso total da educação no âmbito federal, como no caso das Universidades Federais, dos Institutos Federais e das ações federais associadas ao livro didático, alimentação escolar, transporte escolar, dinheiro direto na escola, construção de creches, aquisição de ônibus escolares e apoio à educação de jovens e adultos.
Segundo o presidente da Fineduca, isso vai ocorrer porque a complementação da União ao Fundeb irá se elevar até 2026, independentemente de ela estar incluída ou não na computação dos recursos financeiros que compõem o arcabouço. “Se incluída, esta complementação irá comprimir os outros recursos federais da educação. Esperamos que a Câmara não altere a posição aprovada pelo Senado”, afirma.
Ainda em relação ao Fundeb, Amaral reforça o que os municípios devem fazer até final de agosto para se candidatarem a receber as complementações da VAAT. “A Lei N° 14.113/2020 que regulamentou o Fundeb permanente afirma que o município somente poderá receber a complementação-VAAT se as informações sobre os dados contábeis, orçamentários e financeiros relativos à aplicação dos recursos do Fundeb em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) estiverem lançadas no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) e no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi). É preciso, portanto, que os municípios cuidem para que isto ocorra até o final de agosto”, afirma o presidente da Fineduca.
“O Siope é um instrumento valioso para os estudos em financiamento da educação básica. A sua utilidade para o controle social, entretanto, fica limitado, pois os diretores e diretoras de escolas e, principalmente, os componentes dos Conselhos Sociais do Fundeb, em sua maioria, não possuem habilidades ou conhecimento para explorarem a riqueza existente nas informações. Os entes federados deveriam ofertar cursos permanentes e de maneira contínua para a formação dos gestores, dos membros dos conselhos e de pessoas da sociedade que se interessem pelo financiamento da educação”, ressalta.
A coordenadora da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, lembra da importância da Resolução N.º 1, de 27 de julho de 2022, que aprovou metodologias de aferição das condicionalidades de melhoria de gestão para fins de distribuição da Complementação-VAAR às redes públicas de ensino para vigência no exercício de 2023. Entre outras condicionalidades, está a redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), respeitadas as especificidades da educação escolar indígena e suas realidades.
Segundo Andressa, durante o debate sobre o VAAR, na tramitação do Fundeb, a proposta inicial para a distribuição dos recursos estava vinculada a resultados. “Esse debate foi superado, dado que a distribuição de recursos de financiamento da educação, por meio da meritocracia, pode aprofundar as desigualdades existentes em nossa sociedade. Essa abordagem ignora as diversas barreiras e desigualdades socioeconômicas que afetam o acesso à educação de qualidade. Ao focar apenas no mérito, corre-se o risco de negligenciar estudantes e comunidades que enfrentam desafios estruturais, como falta de recursos, infraestrutura precária e condições de vida adversas”, observa.
Ela aborda ainda uma outra condicionalidade da Resolução: o provimento do cargo ou função de gestor escolar de acordo com critérios técnicos de mérito e desempenho, ou a partir de escolha realizada com a participação da comunidade escolar dentre candidatos previamente aprovados. Para a coordenadora, a gestão democrática na educação, especialmente na escolha de diretores escolares, é de fundamental importância para garantir a participação ativa e o envolvimento da comunidade escolar no processo de tomada de decisões.