Ao lado do crescimento econômico, da geração de emprego, da preservação do meio ambiente e de outras pautas prioritárias, a pacificação social é um dos principais desafios do Brasil no momento
Na educação, cada vez mais os traços de uma sociedade afetada por discursos de ódio, aliados a uma cultura armamentista e a uma avalanche de fake news têm se refletido dentro das salas de aula, como demonstram os recentes ataques que comprometem a segurança e a proteção no ambiente escolar. Pais, professores, dirigentes do setor, as três esferas de governo e a sociedade estão mergulhados em discussões sobre as estratégias necessárias à reversão dessa realidade, para que a escola possa se reafirmar como espaço de socialização, aprendizados, troca de experiências e convivência.
Um dos atores principais desse esforço, a Undime tem participado de audiências e se articulado junto a vários interlocutores, entre os quais o Ministério da Educação e especialistas do tema. Em 17 de abril, a entidade divulgou a “Carta Aberta aos Dirigentes Municipais de Educação”, na qual compartilha informações, orientações e recomendações e sugere que elas sejam apresentadas a todos os trabalhadores das respectivas redes, bem como de outros segmentos.
“Precisamos levar a discussão nacional sobre essa onda de violência a toda a comunidade escolar, tanto para informar com dados corretos e reais quanto para diminuir o pânico que surge com as inúmeras fake news”, diz um trecho da Carta, assinada pelo presidente da Undime e Dirigente Municipal de Educação (DME) de Sud Mennucci/SP, Luiz Miguel Martins Garcia. O documento afirma ser importante também que o município institua um comitê intersetorial, semelhante ao existente em nível federal, para garantir a eficácia e a efetividade das ações a serem implementadas, bem como a sua articulação com a esfera estadual.
Entre outras informações repassadas pela Undime aos dirigentes municipais é a de que o Colegiado Ampliado da entidade, formado pela diretoria executiva e pelas presidências das seccionais, participou de audiência com o ministro da Educação, Camilo Santana, secretários da Pasta e representantes do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) para compartilhar anseios e atualizar as informações sobre o tema. Na ocasião, as linhas de ação propostas pelo MEC foram: a) Orientações e recomendações para as redes de ensino b) Formação (virtual) para implementação dessas ações c) Apoio para a implementação do atendimento psicológico d) Projeto de promoção de um território de paz.
Análise do fenômeno
Para a Undime e muitos especialistas, as agressões ao ambiente escolar são um fenômeno mundial que vem se intensificando nos últimos anos nas mídias, na deep web e na dark web, por meio de ações de grupos que semeiam discurso de ódio, conquistam o apoio de jovens e os desafiam a virar “heróis”, por meio de ataques orquestrados.
Nesse sentido, a Undime recomenda que os DME procurem diferenciar o que acontece fora e dentro da escola, identifiquem e previnam “comportamentos”, sem estigmatizar alunos. Além disso, deve ser oferecido atendimento psicossocial, e a rede protetiva local também precisa ser acionada e aberta às escolas.
Dilema do policiamento
Para a Undime, o policiamento armado e ostensivo dentro das escolas não resolve o problema, como já foi verificado nos Estados Unidos, ao passo que policiais ou profissionais da segurança, além de não serem preparados para esse tipo de atuação, podem transformá-las em uma “prisão”, ou em um “campo de tiro cruzado”.
É preciso, também, que familiares, profissionais e estudantes entendam a linguagem persuasiva e permissiva das mídias e plataformas, e que consigam desenvolver uma educação crítica midiática e estimular o debate com os estudantes. É importante lembrar que as fake news disseminam o ódio e criam um ambiente de temor constante, o que é favorável às ações desses indivíduos/grupos.
Ações federais
O Governo Federal respondeu ao desafio de garantir a segurança e proteção nas escolas com a adoção de uma série de medidas. Uma delas foi a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) coordenado pelo Ministério da Educação e com a participação das Pastas da Justiça e Segurança Pública, dos Direitos Humanos e da Cidadania, das Comunicações, da Saúde, da Cultura, do Esporte, e da Secretaria Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República. O grupo tem prazo de 90 dias para apresentar ações emergenciais, a curto, médio e longo prazos, a partir de diagnósticos e oitivas realizadas. O objetivo é levantar dados e informações que possam subsidiar políticas públicas voltadas à proteção do ambiente escolar e de promoção da cultura de paz nas escolas.
Em outra frente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em parceria com SaferNet Brasil, criou um canal exclusivo para recebimento de informações de ameaças e ataques contra as escolas (www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura). Além disso, o Disque 100 passou a receber denúncias de ameaças às instituições de ensino. Elas podem ser feitas, também, por WhatsApp, pelo número (61) 99611-0100.
Outra medida do MJSP foi a publicação da Portaria nº 351, de 12 de abril de 2023, que dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas pela Pasta para prevenir a disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais. A Portaria prevê, entre outros pontos, a regulação do conteúdo e estabelece punições às empresas que não barrarem as mensagens que fazem apologia ao crime. As plataformas serão obrigadas a compartilhar com a polícia informações sobre usuários para facilitar investigações.
No site do Ministério da Educação foi disponibilizada a cartilha “Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar”, com orientações sobre medidas preventivas e imediatas de proteção, de forma a dar mais eficácia aos programas de prevenção, intervenção e posvenção (cuidados prestados a enlutados por suicídio) de atos de violência em escolas e universidades.
Alta complexidade
Para Josevanda Franco, presidente da Udime/SE e Dirigente Municipal de Educação de Nossa Senhora do Socorro/SE, a violência praticada contra a escola é um fenômeno complexo, com especificidades que precisam ser compreendidas e respeitadas. Para ela, o MEC, por meio do Grupo Interministerial, deve propor e realizar ações orientadoras de tomada de decisão relativas às medidas a serem adotadas para o enfrentamento e prevenção. “Além de permitir a adoção de uma política articuladora e intersetorial, necessária a toda e qualquer estratégia importante para a proteção da escola, dos seus alunos e dos profissionais da educação”, diz Josevanda, que integra o Grupo de Trabalho pela Undime para discutir estratégias voltadas à garantia da segurança e proteção nas escolas.
Miriam Abramovay, coordenadora do Curso de Aperfeiçoamento em Educação e Juventude da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no Brasil (Flacso-BR) e integrante do Grupo Interministerial do governo que discute o reforço da segurança e proteção no ambiente escolar, afirma que episódios de violência dentro das escolas sempre aconteceram, mas observa que o fenômeno atual é diferente, pois se deve ao “extremismo e à violência contra as escolas”.
A educadora cita ainda a pandemia da covid-19, que isolou os estudantes e fez com que eles permanecessem muito tempo na Internet, ficando vulneráveis à ação de grupos extremistas que atuam na rede. “Esses extremistas de direita insuflavam o ego deles, fazendo com que eles pudessem querer ser super-heróis e aparecer de forma contundente na mídia”, explica. O perfil dos jovens que cometem atos violentos contra escolas, diz Miriam, no geral, é de masculinidade exacerbada, racista e homofóbico.